10 de junho de 2015

Ordem e sentido em J.R.R. Tolkien e George R.R. Martin.




Escrevi algo semelhante sobre GoT depois que assisti a segunda temporada. Deixei de assistir, mas até onde acompanhei senti o mesmo tédio ao ler sobre a Idade Média em autores marxistas. Como nos livros, vi na série (pelo menos até ali) apenas uma maçaroca ininterrupta de fatos aleatórios sem um fio condutor, tal como o identificado por Voegelin como "o sentido da história". Reitero: não sei se essa "Ordem" é desvelada por trás do caos com o decorrer das temporadas. Não aguentei esperar. O que senti foi exatamente o que o Taiguara Fernandes de Sousa sentiu: NADA. A verossimilhança não passa dos pequenos dramas de alcova, todos atomizados diante de um cenário tão instável como areia movediça, onde nem o bem e nem o mal parecem ter alguma função espiritual. Como nos livros marxistas sobre a Idade Média eu vi apenas luta pelo poder, guerras e guerras, reis que morrem, golpes, revoluções - sem qualquer ordem aparente ou finalidade. Não sei se é porque havia assistido muito recentemente "The Tudors" que, apesar das várias liberdades históricas e estéticas, sempre mostrou naturalmente o ponto de vista divino, o sentido transcendente das ações, como cimento que junta os tijolos do caos. É esse ponto de vista, ainda que meio oculto, que se percebe claramente em Tolkien. Foi o mesmo que percebi em The Walking Dead onde o desespero e a selvageria delineiam claramente a falta de uma Ordem, permitindo que se sinta a presença constante da ausência de Algo. Game of Thrones me pareceu bem condizente com o título: um jogo de tronos, um lance de dados, tal como a Idade Média parece sem o ponto de vista sobrenatural do Cristo e do Corpo Místico na historiografia marxista. Pareceu a mim a Idade Média sem Deus perfeita para quem só enxerga a superficialidade da aventura humana.

Confira o texto do Taiguara:
"Eu estou assistindo a atual temporada de Game of Thrones atrasado.
Contudo, em vista do momento atual, não pude deixar de notar como a religião em George Martin toma duas formas: primeiro, o desleixo mundano; segundo, o fanatismo assassino. Não existe na literatura de Martin até o momento uma religião verdadeira e amiga da razão humana. Ou a religião é instrumento de barbarismo ou o é de puritanismo fanático, que beira ao ódio.
Alguma semelhança com os discursos laicistas atuais?
É curioso, mas essas são justamente as duas únicas formas pelas quais os laicistas modernos conseguem ver a religião - para eles, algo por si irracional. A religião separada do Logos - o Cristianismo é a religião do Logos - abandona a razão e se torna barbarismo ou fanatismo. O Cristianismo é uma proposta contra isso, de uma religião baseada na razão, como Ratzinger gostava de ressaltar.
Em George Martin a razão só pode ser humanista, nunca há uma religião racional. Ela sempre é irracional e, por isso, é transmitida pelo autor nas duas formas acima. Devido a isso, a religião se torna um instrumento de politização e estatização fácil, pois desprovida de sua ligação essencial com a Razão Divina - o "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" não existe.
Eu não sei como a história vai se desenrolar - tenho todos os livros e preferi deixar para lê-los depois de ver a série - mas o autor me parece, até o momento, um autêntico secularista moderno.
Se Tolkien tinha uma literatura profundamente espiritual, em que a ordem natural era essencialmente ordenada pelo Logos de Ilúvatar, a proposta de Martin é [ou parece ser] exatamente o contrário: o espiritual é irracional em si mesmo, a razão pura não admite estas coisas. É por isso que não há um senso de ordenação na obra de Martin: o que acontece hoje, muda imediatamente amanhã; quem está vivo agora, morre no segundo seguinte. A ordem vem da razão e a cosmogonia de Martin é irracional - não há um Logos Divino, a desordem impera absoluta no domínio da Criação. Só a razão política poderá garantir ordem, isto é, o Estado humanista, secular e laico (ou que, ao menos, tenha as religiões sob seu controle).
Digo isso porque muita gente gosta de falar em semelhanças entre Tolkien e Martin, mas, como espectador de ambos (e muito mais tolkieniano que martiniano), eu só vejo dessemelhanças.
Não há duas literaturas mais distintas em sua filosofia, cosmogonia e escatologia do que as de J.R.R. Tolkien e George R.R. Martin."

Leia também o primoroso artigo de Carlos Ramalhete sobre Game of Thrones na extinta Revista Vila Nova.

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