26 de março de 2012

Deixem de covardia, nerds: cresçam!


A geração 'nerd' e os jovens de uma forma geral vibram com a riqueza de detalhes que emulam civilizações imaginárias em obras como "Star Wars", "O Senhor dos Anéis", "Crônicas de Nárnia", entre outras; ainda que - em estranha paralaxe - em especial ateus, militantes ou não - costumem ignorar a saga da humanidade expressa na Bíblia e nos demais livros sagrados, inclusive nas obras mais 'laicas'. E isso é - ao menos para mim - algo bem esquisito.

Por que muitos preferem excitar seu fascínio através de fantasias metafóricas e não através da Literatura e da História do nosso mundo? Por que raramente empolgam-se com a saga heroica dos gregos da "Odisséia", com a sociologia cristã às vezes nada sutil do mundo medieval da "Divina Comédia" ou com as aventuras civilizadoras dos "Lusíadas"?

Ao consumir o legado da trajetória humana através de uma segunda, terceira ou quarta 'mão', nossos caríssimos amigos - apesar de reviverem muitas das mesmas vicissitudes da nossa civilização - acabam absorvendo em menor grau duas questões essenciais da condição humana expressas nos clássicos da vida real: a gratuidade do pecado e do mal e o Protagonismo divino. 

Nas obras fantásticas supracitadas, o protagonismo divino é representado por diversas metáforas engenhosas. Em "Star Wars" a ação do Bem supremo age através da "Força"; em "O Senhor dos Anéis" através da coragem e da amizade; nas Crônicas de C. S. Lewis através da invencibilidade da Inocência, etc. Já na Bíblia, por exemplo, o protagonismo divino não é metafórico, mas sim uma Presença e uma Ação reais que opera milagres e feitos heroicos, erige e destrói impérios e que intervém Pessoalmente exigindo total obediência às leis morais.

Não é difícil encontrar um exemplar da geração 'nerd' que se declare ateu no mesmo momento em que satisfaz sua sede por ordem e sentido somente naquelas obras de fantasia. Não deixa de haver certo escapismo nesta nova geração. E, como em todos as gerações românticas, esta também padece do mesmo pendor pela fuga da realidade e pela masturbação castidade real ou fingida. Daí o aforismo de Chesterton sobre os que deixam de acreditar em Deus para acreditar 'em qualquer coisa e até em si mesmos'. Chesterton acerta - mais um vez - em cheio. Como um raio da Estrela da Morte. 

Existe mais sacanagem na Bíblia e na "Odisséia" do que em toda a obra de Tolkien (incluindo suas exaustivas notas de rodapé). No entanto, a predileção do nerd pela fantasia livra-os da radicalidade perturbadora da pedagogia divina. Não há uma só trepada sugerida em "Star Wars", assim como não há nos livros de Dungeons & Dragons, e muito menos em Crepúsculo. Como aprender sobre a gratuidade do mal no mundo sem a dimensão do descontrole da luxúria? A Bíblia é a a via de aprendizado mais excitante que Deus inventou e os 'nerds' preferem se excitar com Sakura Card Captors? Daí talvez resultem os clichês mais batidos do estilo de vida nerd que a cultura pop explora (alguém pensou em Big Bang Theory?): o ateísmo e a lendária castidade neurótica.

"Senhor dos Anéis", ao menos os filmes, não mostram ninguém orando diretamente a uma entidade superior com algo parecido a instituições. A Ira, a Inveja e a Avareza, por exemplo, existem aos montes nos mundos imaginários, mas pecados como a Gula e Luxúria - pecados mais terrenos e menos épicos -, não. Nestes mundos imaginários, a luta entre o bem e o mal é transferida do coração do homem para o exterior visível e maniqueísta dos campos de batalha.

As duas pontas da narrativa religiosa da Queda e da Redenção pertencentes a saga humana estão romantizadas e mais discretas nestas obras sobre mundos imaginários. Para alguns ateus com menor imaginação essa aparente ausência da dimensão radical da existência pode ser confortante  Para os ateus militantes poderia figurar como prova de 'hipocrisia judaico-cristã' as dezenas e dezenas de putarias do Antigo Testamento em contraste com a pureza que impera em Nárnia. Ah, quão confortável seria nosso mundo sem pecados de alcova!

A diferença da Bíblia para Tolkien, por exemplo, é que as narrativas sagradas são um chamado para a conversão e para o campo de batalha do coração e do cosmos. A Bíblia e as narrativas clássicas não lhe deixam escolha a não ser tomar as rédeas de sua vida. Elas exigem a fibra moral e o protagonismo dos amados heróis que os 'nerds' tanto admiram - na vida real. Já Tolkien e C. S. Lewis podem ser convites  para iniciar-se na contemplação da condição humana, sim; mas também somente para a compra de cards, bonecos, pôsteres e HQ's. Uma cousa é vislumbrar a Verdade por tabela; e outra é contemplá-la em toda a sua crueza 'assinando' um termo de responsabilidade com a própria consciência. Daí a Bíblia, principalmente, ser incômoda apesar de trazer narrativas tão empolgantes quanto o Silmarillion. E, como acontece na maioria dos casos, livram-se de refletir sobre isso com dois ou três argumentos iluministas de que as escrituras sagradas são uma fraude publicitária para enganar camponeses. "Ah, é tudo uma questão de fé!", dirão os mais esquentadinhos. Ora, ora: todo nerd sabe como é difícil explicar "Star Wars" para aquela gata que costuma sair com os esportistas da faculdade. É preciso crer para compreender a ficção também.

O fato é que os 'nerds' já foram fisgados pela fascinante saga da nossa existência. O que a geração 'nerd' precisa é deixar de covardia e imaginar, por um momento ou dois, que a aventura dos homens e mulheres do nosso passado é tão digna de credibilidade e encanto quanto as eras da Terra Média ou a Galáxia ameaçada pelo lado negro. Deixar de ficar namorando por tabela o enigma da vida e agarrá-lo de uma vez. Os mundos mágicos que eles tanto amam não chegam nem perto da saga do mundo real. A nossa saga é infinitamente mais cruenta, com muito mais ação e excitação do que aparenta. E é verdadeiramente nossa. Não alude a nós, mas sim faz parte de nós. Somos herdeiros dela.

E já que Joseph Campbell diz que todos somos protagonistas das nossas sagas heroicas, que tal agarrar-se ao seus anéis do poder e assumir seus talentos Jedi NESSE mundo, hein?

Atravessem o umbral do armário rumo a Nárnia sem medo. Como os protagonistas do clássico de C. S. Lewis: cresçam.





19 de março de 2012

"Acorde Margarida", da Companhia Teatral Nós Outros


Quando a dramaturgia de Carlos Correia Santos for um dia analisada e dividida em fases, estilos ou gênero do tipo, etc, certamente haverá um espaço para as suas já famosas peças biográficas, ou como ele mesmo chama à instrumentação, "dramaturgia histórico-investigativa". É muito saudável para qualquer cidade desse país ter iniciativas como a que o dramaturgo vem praticando desde "Nu Nery" (onde dissecou a relação do pintor paraense Ismael Nery com sua esposa Adalgisa e o poeta mineiro Murilo Mendes - os últimos dois também com peças biográficas), continuando com outras peças como "Júlio Irá Voar" (que retrata os esforços hercúleos do pioneiro da aviação Júlio César Ribeiro de Souza em levantar um balão dirigível em Belém), "Eu me confesso Eneida", "Theodoro" (baseada na biografia do pintor Theodoro Braga), "Batista" e agora o musical "Acorde Margarida", inspirado na memória da musicista Margarida Schivasappa.

As peças que resgatam a memória de personalidades da história paraense por si já garantem a Carlos Correia um lugar de destaque não só na dramaturgia nortista como também na dramaturgia brasileira, no entanto, sempre trazem a desvantagem de parecer excessivamente didáticas com os seus personagens. O
ato de transpô-los para a cena é um exercício valioso de resgate da memória cultural do nosso estado, mas a predileção pela laudatória e por um certo tom de autocomiseração na forma talvez mais reduzam as suas personagens do que as engrandeçam. É óbvio que lançar mão desses recursos dramáticos fazem de Carlos Correia também um excelente marqueteiro de sua escrita e poética, naturalmente irrepreensíveis. O meio cultural paraense tem um pendor muito forte para a valorização do regionalismo com tintas alegres e ser "político" é sempre muito vantajoso em um cenário onde empreender cultura ainda é muito dependente das instituições públicas, em especial no teatro. Confesso que eu mesmo não conhecia a história da musicista Margarida Schivasappa (que dá nome a uma casa de show teatro da cidade) e sou muito grato pela oportunidade. 

Conhecendo a obra do autor (tive a sorte de ler quase todas as peças) reconhece-se em cena rapidamente as características mais marcantes do seu estilo, entre elas o uso da automação e do inusitado. Como bem descrito por Isaias Edson Sidney: "A automação (e sua quebra) revela as nossas semelhanças diante dos fatos da vida, aquilo que temos que todos têm, o que já constitui, em si, uma tragédia (ou um drama): pensamos que somos espertos ou sublimes, mas somos os idiotas e toscos de sempre. Já o inusitado (ou inesperado) rompe a mesmice do cotidiano conhecido para mostrar a mesmice de nossa psique desconhecida,quebrando automatismos que ignorávamos, o que revela a nossa soberba e a nossa estupidez." É importante ressaltar que "Acorde Margarida", apesar de musical, se encaixa no gênero cômico por ter um "final feliz". Adiante.

O talento na construção da psiquê dos personagens na obra de Carlos Correia Santos exige a valorização atenciosa a essas duas características construtivas da trama cômica. A montagem optou por um estilo caricatural na construção de Memê que, apesar de destoar alegremente da tendência do autor em criar personagens muito orgulhosos de suas personalidades, acaba escamoteando o interessantíssimo drama de memória da personagem, desvalorizado na busca pelo riso mais espalhafatoso e menos pela aposta na identificação da platéia - o que acontece milagrosamente na cena decisiva da peça quando a atriz Maíra Monteiro dá um salto tremendo do caricatural para o naturalismo, revalorizando com talento o que, para os conhecedores dos recursos de construção dramatúrgica do autor, já estava revelado desde a primeira cena. O autor sabota seu próprio esquematismo dramático com a construção poética sensível que dá aos seus protagonistas - importante ressaltar - mais no conteúdo dramático potencial do que na forma, uma vez que padece dos já citados excessos em laudatória e autocomiseração.

Apesar dos coadjuvantes mais caricatos 'puxarem' a personagem principal para um tom acima do que o texto sugere em riqueza de atos falhos e negações melancólicas, a direção de Hudson Andrade se beneficia da construção dramatúrgica esquemática porém correta do texto do autor, conduzindo um espetáculo que felizmente também faz da música de Reginaldo Vianna uma importante parceria. A comédia também está no patético, sendo este importante recurso no desvelamento da humanidade nos tipos humanos. Recurso ainda mais importante quando se trata de dar carne, osso e suspiros para personalidades que se tornaram imóveis ao nomear prédios públicos.

A luz de Sônia Lopes é mais uma vez prejudicada pela dificuldade terrível de se encaixar o estilo italiano no teatro Cláudio Barradas (o que me convence de uma vez por todas que o teatro é ideal para a arena e não para suprir os teatros italianos fechados da cidade). No mais, "Acorde Margarida" se realiza como musical por contar com um elenco vibrante, produção sem exageros e músicas emocionantes que garantem a alegria na volta para casa. E também foi difícil esquecer o solo musical de Fernanda Barreto provando que a entrega ainda é a alma do palco.










2 de março de 2012

Roqueiros convidam gringos para dirigir clipe e a ANCINE não gosta



A banda paraense Madame Saatan teve os seus últimos dois videoclipes (Respira/ Até o fim) considerados "produtos gringos" pela Ancine ( Agência Nacional de Cinema) e não podem participar de editais e mostras de vídeo. A direção de ambos tem a assinatura de P.R. Brown e a fotografia de Jaron Presant, que já trabalharam em quatro videoclipes do Slipknot (”Sulfur”, “Psychosocial”, “Dead Memories” e “Snuff”). A dupla também já assinou clipes de nomes consagrados como Smashing Pumpkins, Audioslave, My Chemical Romance, Mötley Crüe, Evanescence e Foo Fighters, entre outros. A limitação da agência reguladora impede a banda de participar do edital até da patrocinadora do último disco produzido pelos roqueiros.

Formada em 2003 por Sammliz (voz), Ed Guerreiro (guitarra), Ícaro Suzuki (baixo) e Ivan Vanzar (bateria), a banda de rock pesado Madame Saatan acaba de lançar o segundo CD da carreira “Peixe Homem”.

A parceria com os realizadores americanos foi uma conquista vitoriosa da própria banda, como explica a vocalista Sammliz em entrevista ao Universo do Rock: "Entramos em contato com alguns diretores para fazer parceria, mas nenhum deu resposta positiva. Nosso produtor ia fazer, mas em uma última tentativa mandou uma mensagem via Facebook para o P.R Brown - que respondeu perguntando mais sobre a banda. Bernie, nosso produtor, enviou duas músicas do disco novo e contou um pouco de nossa trajetória e P.R então disse que havia adorado tudo e queria vir ao Brasil para trabalhar conosco. Veio na parceria, bancou a própria passagem e fez um trabalho excelente com o quase nada de equipamento que trouxe. Virou um grande amigo."

Mas a ANCINE parece não ver com bons olhos a parceria e a iniciativa de sucesso, apesar dos dois clipes terem sido gravados em Belém do Pará, com co-produção da produtora local TV Norte independente e restante da equipe 100% nacional. Segundo advogados que aconselharam livremente a banda cabe mandato de segurança para reverter a situação. "De qualquer forma não vamos conseguir isso a tempo de participar do edital da Vivo, que era algo que já contávamos...", diz Sammliz, decepcionada.

No entanto, o episódio serve como amostra da equivocada política cultural brasileira que, a pretexto de proteger o "produto nacional" a partir de uma ideologia fuleira de DCE, acaba desestimulando trocas culturais enriquecedoras como a protagonizada pela banda. Se a banda tivesse convidado um diretor e fotógrafo cubanos ou norte-coreanos (se é que lá existem videoclipes?) talvez não tivessem todo esse transtorno. Mas não. É a velha e empoeirada implicância com "o imperialismo yankee" transmutada em antipolítica cultural que, infelizmente, também norteia o governo atual do PT.

Esperamos que - apesar de todo o esforço contrário da ANCINE - essa estupidez jurássica em plena inserção do país na globalização não prevaleça. E que isso sirva de lição para que os roqueiros e demais artistas brasileiros entendam de uma vez como é que as coisas funcionam em Venezuela ou em Cuba. Socialismo é isso - atraso e estupidez ideológica de burocratas "iluminados" sufocando a iniciativa individual.

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Assista a um dos clipes do Madame Saatan dirigidos pelo americano P. R. Brown: