11 de agosto de 2012

Do porquê que o Teatro me fez crer em Deus



Esta imagem das Olímpiadas que vi pela internet deixou-me especialmente emocionado. Postei no Facebook essa imagem com o comentário de que "Todo sonho alcançado vem do triunfo da Inocência". Logo recordei uma história pessoal.

Tenho que assumir que compartilho com o grande Nelson Rodrigues a opinião que ele tinha de si:

"Aos 18 anos eu era de uma ignorância enciclopédica"

Não que ela tenha diminuído, é claro, mas a minha superava a Barsa e a Enciclopédia Britânica juntas. Nelson já escrevia em jornais. O máximo que fiz quando adolescente foi escrever poemas mimados e servir de cobaia para experimentos de engenharia comportamental da MTV.

Foi exatamente aos 18 anos que comecei a fazer teatro. Comecei como um hobby, uma ocupação passageira para uma folga da universidade de Psicologia. E talvez pela oportunidade de ter tido bons mestres (além de ter um ego do tamanho do mundo), logo me deparei com duas dificuldades perturbadoras: nunca havia lido nada de importante na vida e tinha uma secura de imaginação. Meu ego juvenil - intoxicado de 'poder jovem' -, é claro, não suportava essa limitação. Eu estava pronto. Eu era "da geração que iria mudar o mundo". Desnecessário dizer que não acreditava em nada que não fosse eu mesmo; Deus então, nem passava pela minha cabeça. Eu era o adulto primordial, a besta metafísica que tinha no umbigo a consumação dos séculos.

O que acontecia era que simplesmente eu não tinha sobre o que falar em cena. Meu universo era tão somente a TV, as conversas entre amigos sobre a TV e, no máximo, livros que comentavam sobre algo que passava... na TV. Como eu não sabia ler nada que ultrapassasse uma Super Interessante, o simples contato com uma personagem de Nelson Rodrigues, ou uma estrofe de Shakespeare ou um verso misterioso de Eurípedes revelava-se uma tarefa humilhante.

Claro que tive alguma sorte. Meus professores de teatro (os grandes Ronald Bergman e Paulo Santana) jamais me estimularam a fazer o que chamam hoje de 'dramaturgia pessoal' (que, na minha opinião, não passa de uma muleta para atores semianalfabetos incapazes de entender uma ordem inversa, e que, assim usam um termo quase-acadêmico para disfarçar sua total incapacidade de se alçar ao 'sentimento do mundo') Não. Meus professores queriam que eu compartilhasse da mesma essência teatral a qual eles tiveram acesso e que arrisco a dizer que era e ainda é a mesma transmitida ininterruptamente, via mestre e discípulo, através destes 2500 anos: a verdade teatral que surge da brincadeira e da infância.

E essa postura essencial não era a que eu trazia para os meus ensaios. Eu queria - como na tal 'dramaturgia pessoal' - falar do "MEU mundo". Achava que todas as técnicas de palco serviam apenas para o mundo tivesse finalmente a oportunidade de conhecer Luiz Fernando Vaz.

Meu primeiro contato com a essência do teatro se deu ainda no meu primeiro espetáculo. E quis a bondade divina que fosse um Auto de Natal. Na peça, eu interpretava um pastor daqueles que estão entre os primeiros a ser visitados pela Estrela. Nas coxias, aguardando para entrar em cena, aconteceu o milagre que prendeu-me ao teatro. Fiquei tão mesmerizado quando ligaram os refletores que estanquei como uma mula.

Ali, enquanto era empurrado para o palco pelos outros atores, percebi instantaneamente toda a dimensão da minha ignorância naquele theatro mundi e neste palco outro em que vivemos: JAMAIS tinha visto uma peça em toda a minha vida. Jamais havia contemplado NADA na minha vida que não fosse eu próprio. A primeira vez que estava 'vendo' uma peça eu ESTAVA nela e - porca miséria! - estava ali esperando que o mundo contemplasse a mim. Errando a música e a coreografia, voltei a perceber aquilo que a criança percebe automaticamente quando chega a este mundo: que é necessário estender-lhe os braços não como quem oferece, mas como quem pede. Diante do público que me cravava os olhos, percebi que é preciso receber algo para ter o que oferecer. Mais tarde encontraria em Stanislavski essa certeza que para se doar é preciso primeiro se possuir. Finalmente, no final da peça, a atriz que representava a Virgem Maria levantou o Menino Jesus para que todos O adorassem. Então tive a certeza absoluta do que havia perdido: a Inocência.

Repentinamente, eu não era ninguém mais neste mundo e nem naquele outro que se abria por trás das cortinas. Como um bebê, estava totalmente desnudo e vulnerável. Mais uma vez. Foi então que percebi que jamais seria um ator se não me permitisse a brincar e ser como o pequenino que arregala os olhos perante às maravilhas do mundo.

Mas não; já tinha amarrado uma pedra de moinho no pescoço e me afogado nas profundezas do mar. Já tinha feito tropeçar o pequenino que eu era e agora ele jazia sob o peso do mar, sob o peso inteiro do mundo, incapaz de voltar à superfície - esquecido, abortado, morto.

O deus do teatro não é Dioniso, é o Menino Jesus. Dioniso podia ser como uma criança ao embriagar-se, mas o Menino Deus é a própria Inocência encarnada. A minha gratidão para com o Teatro não é somente para com quem me deu um ofício, um meio de sobreviver, mas principalmente para com quem - não me envergonho de dizer - me deu a Vida.

Quem sabe seja eterna...

Salve Maria Santíssima! Viva o Menino Jesus! Viva a Inocência Invencível!

24 de maio de 2012

Toda Nudez de sinceridade ainda será Castigada



"De repente, os idiotas descobriram que são em maior número." 

Foi com uma das infindáveis tiradas geniais de Nelson Rodrigues que iniciei minha pergunta naquela noite de terça feira, 22 de maio, para o professor Roberto Fadel. Tentei resumir o meu questionamento para o palestrante do Sarau da Feira, aquecimento cultural para a XVI edição da Feira Pan-Amazônica na capital paraense: "Como Nelson ia encarar, se vivo fosse, questões como cotas raciais, casamento gay e feminismo radical?" E completei: "Será que não existe uma certa exploração de Nelson Rodrigues por parte da esquerda cultural?"

A resposta que obtive resumiu-se a dizer que "hoje, mesmo com 100 anos, ele seria ainda mais conservador". Não há como discordar do professor Fadel nessa questão. De resto, o esforço de imaginação não me pareceu apropriado para a ocasião e ele parou por ali. Eu sei que não foi fácil responder.

Não é estranho que a esquerda cultural que domina esse país seja tão fascinada por um escritor e dramaturgo que, se vivo hoje em dia, seria uma pedra no sapato do politicamente correto? 

Muitos foram tão politicamente conservadores e 'reacionários' como Nelson Rodrigues e solenemente ignorados e esquecidos pela esquerda. Assim foi e permanece em relação a Paulo Francis, Roberto Campos, Gustavo Corção, Bruno Tolentino, entre outros. Mas existe uma explicação plausível: a obra de Nelson Rodrigues é perfeitamente instrumental para a causa do marxismo cultural na destruição da instituição da família e da moral cristã.

A própria definição de Nelson como 'anjo pornográfico" me parece ter sido assimilada em uma publicidade bem calculada para fazer do dramaturgo fluminense uma espécie de Foucault carioca, algo como uma Bruna Surfistinha de eras mais pudicas ou um prequel do Mr. Catra. 

O professor, que não me parecia mal-intencionado, mas sim surfar na crista da onda 'revisionista' da obra de Nelson, respondeu a várias perguntas de uma platéia excitada, como: "Quantas prostitutas Nelson Rodrigues se relacionava por noite?" e outras do mesmo top. Ao que respondia puxando sempre para o mesmo tom ao afirmar que Nelson era um escritor revolucionário a apontar a hipocrisia da família, do casamento e da educação cristã, etc. E quando um poeta local, a qual não recordo o nome agora, indagou se a obra de Nelson ecoava algo da tragédia grega, do padecimento do herói frente às leis divinas, outra vez respondeu que os personagens rodrigueanos não eram 'guerreiros' (sic). 

Em suma: a ordem da noite parecia ser pintar para uma platéia de estudantes de escola pública algo como Nelson ser em verdade um grande precursor dos bailes funks, das mulheres-frutas e do 'todo mundo é de todo mundo', esse ersatz nosso de cada dia. Até argumentos evolucionistas o professor usou para justificar a intensa vida de putaria que de alguma forma embasaria o espírito do grande dramaturgo boêmio...

Não é a primeira nem a última vez que assimilam a vida e a obra de outros para uma causa. Só no quesito 'o sexo como arma' temos o Dr. Freud redimensionado pela Escola de Frankfurt até parecer uma espécie de 'Marx da intimidade ocidental'. Até René Guenon, que estava mais preocupado com questões espirituais profundas teve sua crítica ao Ocidente assimilada na causa do marxismo cultural até se tornar uma espécie de Che Guevara hipster.


Mas para os revisionistas, talvez pouco importe a tônica maior da obra de Nelson Rodrigues, tão bem expressa na biografia escrita por Ruy Castro, como encontrada no excelente site do Grupo Tempo"a ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz.  O personagem é vil, para que não o sejamos.  Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós.  A partir do momento em que Ana Karenina, ou Bovary, trai, muitas senhoras da vida real deixarão de fazê-lo.  No "Crime e Castigo", Raskolnikov mata uma velha e, no mesmo instante, o ódio social que fermenta em nós estará diminuído, aplacado.  Ele matou por todos.  E, no teatro, que é mais plástico, direto, e de um impacto tão mais puro, esse fenômeno de transferência torna-se mais válido.  Para salvar a platéia, é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros, de insanos e, em suma, de uma rajada de monstros.  São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los."

Ora, não se enganem. A obra de Nelson Rodrigues, que completa 100 anos de nascimento nesse ano de 2012, só tem lugar no cânone 'progressista' da esquerda por servir bem como introdução a uma aula de 'educação' sexual. Por que não se interessam pelos relatos de proximidade da morte expressos em "Lições de Abismo" de Corção; pela obra poética colossal de Murilo Mendes, um homem que foi do ateísmo ao catolicismo mais místico; ou mesmo em escrever algo sério sobre a dramaturgia do paraense Carlos Correia Santos - aliás mediador do Sarau da Feira (que acaba de encenar um monólogo que praticamente encerra em texto teatral o que seria uma mentalidade revolucionária)? Ora, Porque não 'contribuem' em nada para a 'quebra de paradigmas sociais' no contexto de 'transformação social' das esquerdas.O que não deixa de ser uma relação conflituosa, cheia de ambiguidades - a elite prafentex não deixa de padecer de fascínio perante ao monstro reacionário que consegue ser mais safadinho do que uma Maria do Rosário. Daí é preciso 'democratizá-lo'. Ou seja, mistificá-lo até que o verdadeiro Nelson desapareça no entulho de estudos e montagens como apenas um velho machista. Machista - que inclusive era uma das definições ao meu ver simplistas do professor palestrante.

Nelson mostrava 'A vida como ela é', doa a quem doer. O sexo, a hipocrisia das famílias, dos casais e da sociedade carioca eram instrumentos para a pena de Nelson expressar a 'a miséria inconfessa de cada um de nós' e não um fim em si mesmo. Por isso, o 'anjo pornográfico' era conservador de direita. E certamente abominaria, tal como abominou também Pier Paolo Pasolini, essa banalização do pornográfico. Até os filmes pornôs antigos valorizavam a putaria em contextos de traição e de controvérsia amorosa. Hoje os atores só passam a mão na bunda da moça e já vão logo aos finalmentes. É isso o que querem fazer com Nelson Rodrigues. 

Pelo visto, no que depender da hegemonia educacional e cultural da esquerda que instrumentaliza os debates públicos, Toda Nudez (de sinceridade) ainda Será - e muito! - Castigada.



*



Imagem: "Toda Nudez Será Castigada" - montagem da Armazém Cia de Teatro

P. S - Já está mais do que na hora dos conservadores, direitistas, liberais e reacionários em geral comentarem a cena cultural brasileira. Ocupar os espaços do debate sobre as artes em geral. Falta crítica teatral, cinematográfica, de artes plásticas, musical do ponto de vista do legado intelectual do conservadorismo, por exemplo. E ainda tem bons artistas por aí que merecem ser resenhados. É preciso paciência e exercício da sensibilidade. Abraços.



15 de abril de 2012

"Ágora", de Alejandro Amenábar - obra-prima de propaganda do ateísmo?



(*Contém spoilers. Se não viu o filme e não querer saber detalhes evite a leitura.)

Segundo o IMDB, '"Ágora" (2009) é um drama histórico fixado no Egito romano sobre um escravo que se volta para a crescente onda do cristianismo na esperança de perseguir a liberdade, enquanto também se apaixona por sua mestra, a famosa filósofa e matemática Hypatia de Alexandria."

Assim o filme contextualiza o espectador no início do filme: "Ao final do século IV d.C, o lmpério Romano estava à beira do colapso. Alexandria, uma província no Egito ainda conservava parte de seu esplendor. Ostentava uma das sete maravilhas do mundo antigo, o lendário Farol de Alexandria, assim como a maior biblioteca da Terra. A biblioteca, além de símbolo cultural era um centro religioso, um lugar onde os pagãos veneravam seus deuses ancestrais. A cidade, célebre pelo culto pagão, coexistia agora com a fé judaica e uma religião que proliferava, até recentemente proibida. O Cristianismo."

"Ágora" é um filme de Alejandro Amenábar, que declarou: "o filme é contra a intolerância e alerta para aqueles que, nos dias de hoje, ainda estão dispostos a matar pelas suas ideias". 

Vejamos como as coisas são colocadas na película.

Logo nas primeiras cenas vemos um debate público entre um dito cristão chamado Ammonius e um pagão. O tal cristão promete fazer um milagre: atravessar um pátio em chamas. Diante da incredulidade do pagão, o dito atravessa incólume sobre as chamas. Logo em seguida alguns companheiros seus desafiam o pagão a repetir o feito e, diante das dúvidas deste, o arremessam por cima das chamas o deixando ferir-se horrivelmente nelas. O pai de Hypatia assiste a cena chocado. Os tais cristãos então comemoram mais uma alegada prova do poder de Deus e deixam bem claro para o espectador quem são os opressores na historinha. Adiante.



Em outra cena também no primeiro ato da película, o escravo da família de Hypatia, Davus, presenciando a revolta do pai que está a punir uma escrava por ser uma odiosa cristã, se oferece para ser punido em seu lugar apesar dos apelos da heroína filósofa.



Outra cena mostra o mesmo escravo (que é apaixonado por sua dona Hypatia) implorar a Deus para que ela rejeite um pedido de amor de um dos seus alunos, o ambicioso Orestes. Para sua surpresa ela rejeita o pedido e Davus interpreta isso como um sinal de Deus para com ele, o que reforça sua fé no cristianismo, mais precisamente nas pregações do obscuro Ammonius, que virá a ser o principal líder da revolta que trará a destruição da biblioteca de Alexandria.




Destaquei essas três cenas do filme porque a minha intenção nesse artigo não é fazer uma contestação histórica dos fatos apresentados, mas sim das maneiras e formas com que a narrativa é conduzida para direcionar o espectador a nortear a sua bússola ética. Nas três cenas são mostradas claramente o poder, questionável ou não, da fé cristã, seja nos milagres, no sacrifício ou na fé em Deus propriamente dita nas orações do escravo Davus. E isso é muito importante para este artigo - o filme não nega que o deus do cristianismo tem poder. Não tem ali 'idéias', como diz Amenábar, mas sim fatos - explico: os personagens ditos cristãos não demonstram apenas idéias mas também atitudes.


Mas esses exemplos acima são bonitinhos perto dos que são apresentados ao longo do filme em sua maior parte. Os ditos cristãos, em especial os liderados pelo pregador Ammonius, são extremamente violentos e vingativos. Depois de serem massacrados pelos pagãos após zombar dos deuses na Ágora, eles mostram uma força descomunal de reação e acabam cercando os pagãos na biblioteca de Alexandria. Importante frisar que, enquanto isso, se dá ali um drama ético de Hypatia que chega a protestar para que seus discípulos não manchem as suas mãos de sangue. Roma intervém e consegue negociar a vida dos filósofos e estudantes, embora concordem que a biblioteca não mais lhes pertence, o que não deixa outra opção a não ser abandoná-la às pressas. Os tais cristãos destroem a famosa biblioteca e tudo que está ali dentro, inclusive os altares dos deuses pagãos.


Temos o cenário. Os cristãos malvados até a medula destroem qualquer vestígio de paganismo e não passam a poupar nem os judeus, Orestes, o ex-aluno torna-se prefeito de Alexandria convertendo-se ao cristianismo, Davus torna-se um bate-pau da gangue de Ammonius mau como um pica-pau, e Hypatia, após anos de exílio e protegida do prefeito apaixonado, retorna para Alexandria.



Em resumo, os cristãos, apesar das três cenas acima, são retratados como a própria expressão do totalitarismo em ação, tanto mais porque permeiam a narrativa com a impressão de que estão imbuídos de um verdadeiro poder, o que faz todos temerem a eles como uma violência absurda e paradoxal. O que é mais ostensivo, no entanto, é a crueldade dos bate-paus de Ammonius e Cirilo, o bispo de Alexandria, que realizam uma verdadeira carnificina de pagãos, judeus e o que vier pela frente. Mas isso não é óbvio à primeira vista ao menos que você repare em como essas três cenas destacadas não negam uma certa fé e ética cristãs. Em algum momento o cineasta faz essa separação, deixando com que tudo pareça a expressão de uma mesma insanidade egoísta e sangrenta. Nem quando surge um bispo do deserto ex-discípulo de Hypatia temos chance de ver algum equilíbrio no retrato do cristianismo. A ausência de um cristão genuíno que seja nos leva a uma interpretação equivocada de que quem comete tantas crueldades é o Deus mesmo através de Sua Igreja.




Mas o que se trata aqui na verdade é de usurpar a ética cristã a favor de duas entidades: a Ciência e o Estado. A ciência, na personificação em Hypatia, e o estado, personificado em Orestes, o homem ambicioso que se converte ao cristianismo por pura ambição de poder.

Isso fica claro no seguinte diálogo entre Davus, o escravo que tanto conhecimento absorveu de Hypatia, e Ammonius, uma espécie de Che Guevara dos primórdios do cristianismo ( instado a explicar a fé para Davus o que ele faz? Ensina ele a colocar o pão na mão dos pobres - que simbólico!):

_ Já imaginou que estava errado?, disse Davus.
_ Por quê?

_ Eu fui perdoado, mas agora não posso perdoar.



Davus foi liberto e perdoado pela sua mestra Hypatia mesmo após ter tentado abusar dela. Ele, no entanto, acabou virando um assassino carniceiro. Ora, se isso não é a transferência da moral cristã para a filósofa pagã eu não sei o que é. Davus se ofereceu como sacrifício e confiou em Deus, mas quem perdoa, quem pede para que não se derrame mais sangue, quem é a personificação da Razão, da luz da humanidade, o próprio Farol de Alexandria - que inclusive jamais aparece aceso - é Hypatia. Me pergunto como Davus se tornou cristão a ponto de oferecer a si próprio para ser punido quando os únicos cristãos que existiam ali em Alexandria eram carniceiros como Ammonius...

Não é à toa que "Ágora" é um filme que deixa a militância ateísta com água na boca. A Igreja Católica é retratada com algo que mais parece as heresias cátara e albigense fortemente combatidas por ela; mas isso, porém, não impede que ela tenha a sua ética ROUBADA por uma visão heroificada da Ciência e, pasmem, apresentando ainda, inexplicavelmente, o Estado personificado em Roma como protetor de Hypatia e de seus discípulos. Ora, não será o tal Estado 'laico' de quem tanto falam protegendo a razão e a ciência contra os obscuros fundamentalistas? Difamar a Igreja com simplificações históricas e teológicas ainda vai, mas usurpar as suas qualidades na maior cara-de-pau?

Bem resumiu esse blog: "Because Amenabar has chosen to write and direct a film about the philosopher Hypatia and perpetuate some hoary Enlightenment myths by turning it into a morality tale about science vs fundamentalism.". E olha que é a opinião de um auto-declarado agnóstico. É óbvio que "Ágora" serve bem como peça de propaganda anticristã. Nem todos os ateus tem a perspicácia do blogueiro citado para perceber tantas distorções - umas das quais apresentam Hypatia como uma iluminista e outras o cristianismo primitivo como um monopólio de loucos carniceiros que faziam milagres. Todos sabem que o ateísmo militante nunca foi muito exigente; sendo contra a Igreja tá valendo! 

"Ágora" não é um filme ateu. Jamais. O roteiro não nega o poder de Deus, mas sim discorda dele. Se opõe a ele com algo dito mais racional, piedoso, ANTROPOCÊNTRICO. Mas não é só isso. O filme é repleto de simbolismos maçônicos, de referências ao deus arquiteto dos pedreiros-livres. O talento do diretor chileno Amenábar destacou em todo o filme o ponto de vista do Sol - símbolo do Conhecimento, do esclarecimento mental e intelectual - em tomadas geniais que reduzem os eventos humanos a acontecimentos com formigas, como se o Sol orbitasse e assistisse a tudo (tem inclusive uma tomada de formigas de verdade que faz uma analogia primorosa com aquelas outras do ponto de vista do Sol!). Outra referência muito mais óbvia está na cena chave da trajetória de Hypatia quando, após ter descoberto o movimento elíptico dos planetas 1000 anos antes de Kepler (aqui não segurei a risada, os ateus devem ter ido ao orgasmo com essa prova 'inconteste' de que os cristãos são uns filhas da puta perseguidores da ciência!), ela ajoelha-se extasiada diante do Sol nascente em uma cena repleta de simbolismo (no cartaz não aparece mas na cena que ela se ajoelha o sol fica oculto por trás do topo de sua cabeça formando claramente a sombra de uma pirâmide atrás de si).


Hypatia atinge a iluminação ao descobrir o movimento heliocêntrico (engole essa, Vaticano!) e se entrega sem medo aos cristãos obscurantistas para ser arrastada em uma paródia da Via Crúcis, xingada e humilhada, despida de suas vestes e, no pior momento do roteiro ("Vamos pegar pedras lá fora"? - risos!), sendo 'salva' pelo seu fiel escravo-escudeiro-da-ciência Davus que a sufoca sem derramar uma gota do seu sangue precioso. Hypatia é apedrejada como se fosse Maria Madalena (como se se dissesse: "Onde está Jesus agora para salvar essa 'prostituta'?") e a câmera faz um movimento subindo por uma claraboia em formato de olho até se perder mais uma vez no ponto de vista do Sol que assiste a tudo.


Longe de mim afirmar que os ateus estão sendo feitos de otários por crentes maçons, mas uma coisa é certa: Hypatia, a personificação da ciência, a ciência mesma digamos assim, morre no final. E "Ágora" parece sacrificar pelo menos três delas: a história, a teologia e a lógica. É o melhor do cinema a serviço da mistificação que não ousa dizer o seu nome e nem onde quer chegar.











26 de março de 2012

Deixem de covardia, nerds: cresçam!


A geração 'nerd' e os jovens de uma forma geral vibram com a riqueza de detalhes que emulam civilizações imaginárias em obras como "Star Wars", "O Senhor dos Anéis", "Crônicas de Nárnia", entre outras; ainda que - em estranha paralaxe - em especial ateus, militantes ou não - costumem ignorar a saga da humanidade expressa na Bíblia e nos demais livros sagrados, inclusive nas obras mais 'laicas'. E isso é - ao menos para mim - algo bem esquisito.

Por que muitos preferem excitar seu fascínio através de fantasias metafóricas e não através da Literatura e da História do nosso mundo? Por que raramente empolgam-se com a saga heroica dos gregos da "Odisséia", com a sociologia cristã às vezes nada sutil do mundo medieval da "Divina Comédia" ou com as aventuras civilizadoras dos "Lusíadas"?

Ao consumir o legado da trajetória humana através de uma segunda, terceira ou quarta 'mão', nossos caríssimos amigos - apesar de reviverem muitas das mesmas vicissitudes da nossa civilização - acabam absorvendo em menor grau duas questões essenciais da condição humana expressas nos clássicos da vida real: a gratuidade do pecado e do mal e o Protagonismo divino. 

Nas obras fantásticas supracitadas, o protagonismo divino é representado por diversas metáforas engenhosas. Em "Star Wars" a ação do Bem supremo age através da "Força"; em "O Senhor dos Anéis" através da coragem e da amizade; nas Crônicas de C. S. Lewis através da invencibilidade da Inocência, etc. Já na Bíblia, por exemplo, o protagonismo divino não é metafórico, mas sim uma Presença e uma Ação reais que opera milagres e feitos heroicos, erige e destrói impérios e que intervém Pessoalmente exigindo total obediência às leis morais.

Não é difícil encontrar um exemplar da geração 'nerd' que se declare ateu no mesmo momento em que satisfaz sua sede por ordem e sentido somente naquelas obras de fantasia. Não deixa de haver certo escapismo nesta nova geração. E, como em todos as gerações românticas, esta também padece do mesmo pendor pela fuga da realidade e pela masturbação castidade real ou fingida. Daí o aforismo de Chesterton sobre os que deixam de acreditar em Deus para acreditar 'em qualquer coisa e até em si mesmos'. Chesterton acerta - mais um vez - em cheio. Como um raio da Estrela da Morte. 

Existe mais sacanagem na Bíblia e na "Odisséia" do que em toda a obra de Tolkien (incluindo suas exaustivas notas de rodapé). No entanto, a predileção do nerd pela fantasia livra-os da radicalidade perturbadora da pedagogia divina. Não há uma só trepada sugerida em "Star Wars", assim como não há nos livros de Dungeons & Dragons, e muito menos em Crepúsculo. Como aprender sobre a gratuidade do mal no mundo sem a dimensão do descontrole da luxúria? A Bíblia é a a via de aprendizado mais excitante que Deus inventou e os 'nerds' preferem se excitar com Sakura Card Captors? Daí talvez resultem os clichês mais batidos do estilo de vida nerd que a cultura pop explora (alguém pensou em Big Bang Theory?): o ateísmo e a lendária castidade neurótica.

"Senhor dos Anéis", ao menos os filmes, não mostram ninguém orando diretamente a uma entidade superior com algo parecido a instituições. A Ira, a Inveja e a Avareza, por exemplo, existem aos montes nos mundos imaginários, mas pecados como a Gula e Luxúria - pecados mais terrenos e menos épicos -, não. Nestes mundos imaginários, a luta entre o bem e o mal é transferida do coração do homem para o exterior visível e maniqueísta dos campos de batalha.

As duas pontas da narrativa religiosa da Queda e da Redenção pertencentes a saga humana estão romantizadas e mais discretas nestas obras sobre mundos imaginários. Para alguns ateus com menor imaginação essa aparente ausência da dimensão radical da existência pode ser confortante  Para os ateus militantes poderia figurar como prova de 'hipocrisia judaico-cristã' as dezenas e dezenas de putarias do Antigo Testamento em contraste com a pureza que impera em Nárnia. Ah, quão confortável seria nosso mundo sem pecados de alcova!

A diferença da Bíblia para Tolkien, por exemplo, é que as narrativas sagradas são um chamado para a conversão e para o campo de batalha do coração e do cosmos. A Bíblia e as narrativas clássicas não lhe deixam escolha a não ser tomar as rédeas de sua vida. Elas exigem a fibra moral e o protagonismo dos amados heróis que os 'nerds' tanto admiram - na vida real. Já Tolkien e C. S. Lewis podem ser convites  para iniciar-se na contemplação da condição humana, sim; mas também somente para a compra de cards, bonecos, pôsteres e HQ's. Uma cousa é vislumbrar a Verdade por tabela; e outra é contemplá-la em toda a sua crueza 'assinando' um termo de responsabilidade com a própria consciência. Daí a Bíblia, principalmente, ser incômoda apesar de trazer narrativas tão empolgantes quanto o Silmarillion. E, como acontece na maioria dos casos, livram-se de refletir sobre isso com dois ou três argumentos iluministas de que as escrituras sagradas são uma fraude publicitária para enganar camponeses. "Ah, é tudo uma questão de fé!", dirão os mais esquentadinhos. Ora, ora: todo nerd sabe como é difícil explicar "Star Wars" para aquela gata que costuma sair com os esportistas da faculdade. É preciso crer para compreender a ficção também.

O fato é que os 'nerds' já foram fisgados pela fascinante saga da nossa existência. O que a geração 'nerd' precisa é deixar de covardia e imaginar, por um momento ou dois, que a aventura dos homens e mulheres do nosso passado é tão digna de credibilidade e encanto quanto as eras da Terra Média ou a Galáxia ameaçada pelo lado negro. Deixar de ficar namorando por tabela o enigma da vida e agarrá-lo de uma vez. Os mundos mágicos que eles tanto amam não chegam nem perto da saga do mundo real. A nossa saga é infinitamente mais cruenta, com muito mais ação e excitação do que aparenta. E é verdadeiramente nossa. Não alude a nós, mas sim faz parte de nós. Somos herdeiros dela.

E já que Joseph Campbell diz que todos somos protagonistas das nossas sagas heroicas, que tal agarrar-se ao seus anéis do poder e assumir seus talentos Jedi NESSE mundo, hein?

Atravessem o umbral do armário rumo a Nárnia sem medo. Como os protagonistas do clássico de C. S. Lewis: cresçam.





19 de março de 2012

"Acorde Margarida", da Companhia Teatral Nós Outros


Quando a dramaturgia de Carlos Correia Santos for um dia analisada e dividida em fases, estilos ou gênero do tipo, etc, certamente haverá um espaço para as suas já famosas peças biográficas, ou como ele mesmo chama à instrumentação, "dramaturgia histórico-investigativa". É muito saudável para qualquer cidade desse país ter iniciativas como a que o dramaturgo vem praticando desde "Nu Nery" (onde dissecou a relação do pintor paraense Ismael Nery com sua esposa Adalgisa e o poeta mineiro Murilo Mendes - os últimos dois também com peças biográficas), continuando com outras peças como "Júlio Irá Voar" (que retrata os esforços hercúleos do pioneiro da aviação Júlio César Ribeiro de Souza em levantar um balão dirigível em Belém), "Eu me confesso Eneida", "Theodoro" (baseada na biografia do pintor Theodoro Braga), "Batista" e agora o musical "Acorde Margarida", inspirado na memória da musicista Margarida Schivasappa.

As peças que resgatam a memória de personalidades da história paraense por si já garantem a Carlos Correia um lugar de destaque não só na dramaturgia nortista como também na dramaturgia brasileira, no entanto, sempre trazem a desvantagem de parecer excessivamente didáticas com os seus personagens. O
ato de transpô-los para a cena é um exercício valioso de resgate da memória cultural do nosso estado, mas a predileção pela laudatória e por um certo tom de autocomiseração na forma talvez mais reduzam as suas personagens do que as engrandeçam. É óbvio que lançar mão desses recursos dramáticos fazem de Carlos Correia também um excelente marqueteiro de sua escrita e poética, naturalmente irrepreensíveis. O meio cultural paraense tem um pendor muito forte para a valorização do regionalismo com tintas alegres e ser "político" é sempre muito vantajoso em um cenário onde empreender cultura ainda é muito dependente das instituições públicas, em especial no teatro. Confesso que eu mesmo não conhecia a história da musicista Margarida Schivasappa (que dá nome a uma casa de show teatro da cidade) e sou muito grato pela oportunidade. 

Conhecendo a obra do autor (tive a sorte de ler quase todas as peças) reconhece-se em cena rapidamente as características mais marcantes do seu estilo, entre elas o uso da automação e do inusitado. Como bem descrito por Isaias Edson Sidney: "A automação (e sua quebra) revela as nossas semelhanças diante dos fatos da vida, aquilo que temos que todos têm, o que já constitui, em si, uma tragédia (ou um drama): pensamos que somos espertos ou sublimes, mas somos os idiotas e toscos de sempre. Já o inusitado (ou inesperado) rompe a mesmice do cotidiano conhecido para mostrar a mesmice de nossa psique desconhecida,quebrando automatismos que ignorávamos, o que revela a nossa soberba e a nossa estupidez." É importante ressaltar que "Acorde Margarida", apesar de musical, se encaixa no gênero cômico por ter um "final feliz". Adiante.

O talento na construção da psiquê dos personagens na obra de Carlos Correia Santos exige a valorização atenciosa a essas duas características construtivas da trama cômica. A montagem optou por um estilo caricatural na construção de Memê que, apesar de destoar alegremente da tendência do autor em criar personagens muito orgulhosos de suas personalidades, acaba escamoteando o interessantíssimo drama de memória da personagem, desvalorizado na busca pelo riso mais espalhafatoso e menos pela aposta na identificação da platéia - o que acontece milagrosamente na cena decisiva da peça quando a atriz Maíra Monteiro dá um salto tremendo do caricatural para o naturalismo, revalorizando com talento o que, para os conhecedores dos recursos de construção dramatúrgica do autor, já estava revelado desde a primeira cena. O autor sabota seu próprio esquematismo dramático com a construção poética sensível que dá aos seus protagonistas - importante ressaltar - mais no conteúdo dramático potencial do que na forma, uma vez que padece dos já citados excessos em laudatória e autocomiseração.

Apesar dos coadjuvantes mais caricatos 'puxarem' a personagem principal para um tom acima do que o texto sugere em riqueza de atos falhos e negações melancólicas, a direção de Hudson Andrade se beneficia da construção dramatúrgica esquemática porém correta do texto do autor, conduzindo um espetáculo que felizmente também faz da música de Reginaldo Vianna uma importante parceria. A comédia também está no patético, sendo este importante recurso no desvelamento da humanidade nos tipos humanos. Recurso ainda mais importante quando se trata de dar carne, osso e suspiros para personalidades que se tornaram imóveis ao nomear prédios públicos.

A luz de Sônia Lopes é mais uma vez prejudicada pela dificuldade terrível de se encaixar o estilo italiano no teatro Cláudio Barradas (o que me convence de uma vez por todas que o teatro é ideal para a arena e não para suprir os teatros italianos fechados da cidade). No mais, "Acorde Margarida" se realiza como musical por contar com um elenco vibrante, produção sem exageros e músicas emocionantes que garantem a alegria na volta para casa. E também foi difícil esquecer o solo musical de Fernanda Barreto provando que a entrega ainda é a alma do palco.










2 de março de 2012

Roqueiros convidam gringos para dirigir clipe e a ANCINE não gosta



A banda paraense Madame Saatan teve os seus últimos dois videoclipes (Respira/ Até o fim) considerados "produtos gringos" pela Ancine ( Agência Nacional de Cinema) e não podem participar de editais e mostras de vídeo. A direção de ambos tem a assinatura de P.R. Brown e a fotografia de Jaron Presant, que já trabalharam em quatro videoclipes do Slipknot (”Sulfur”, “Psychosocial”, “Dead Memories” e “Snuff”). A dupla também já assinou clipes de nomes consagrados como Smashing Pumpkins, Audioslave, My Chemical Romance, Mötley Crüe, Evanescence e Foo Fighters, entre outros. A limitação da agência reguladora impede a banda de participar do edital até da patrocinadora do último disco produzido pelos roqueiros.

Formada em 2003 por Sammliz (voz), Ed Guerreiro (guitarra), Ícaro Suzuki (baixo) e Ivan Vanzar (bateria), a banda de rock pesado Madame Saatan acaba de lançar o segundo CD da carreira “Peixe Homem”.

A parceria com os realizadores americanos foi uma conquista vitoriosa da própria banda, como explica a vocalista Sammliz em entrevista ao Universo do Rock: "Entramos em contato com alguns diretores para fazer parceria, mas nenhum deu resposta positiva. Nosso produtor ia fazer, mas em uma última tentativa mandou uma mensagem via Facebook para o P.R Brown - que respondeu perguntando mais sobre a banda. Bernie, nosso produtor, enviou duas músicas do disco novo e contou um pouco de nossa trajetória e P.R então disse que havia adorado tudo e queria vir ao Brasil para trabalhar conosco. Veio na parceria, bancou a própria passagem e fez um trabalho excelente com o quase nada de equipamento que trouxe. Virou um grande amigo."

Mas a ANCINE parece não ver com bons olhos a parceria e a iniciativa de sucesso, apesar dos dois clipes terem sido gravados em Belém do Pará, com co-produção da produtora local TV Norte independente e restante da equipe 100% nacional. Segundo advogados que aconselharam livremente a banda cabe mandato de segurança para reverter a situação. "De qualquer forma não vamos conseguir isso a tempo de participar do edital da Vivo, que era algo que já contávamos...", diz Sammliz, decepcionada.

No entanto, o episódio serve como amostra da equivocada política cultural brasileira que, a pretexto de proteger o "produto nacional" a partir de uma ideologia fuleira de DCE, acaba desestimulando trocas culturais enriquecedoras como a protagonizada pela banda. Se a banda tivesse convidado um diretor e fotógrafo cubanos ou norte-coreanos (se é que lá existem videoclipes?) talvez não tivessem todo esse transtorno. Mas não. É a velha e empoeirada implicância com "o imperialismo yankee" transmutada em antipolítica cultural que, infelizmente, também norteia o governo atual do PT.

Esperamos que - apesar de todo o esforço contrário da ANCINE - essa estupidez jurássica em plena inserção do país na globalização não prevaleça. E que isso sirva de lição para que os roqueiros e demais artistas brasileiros entendam de uma vez como é que as coisas funcionam em Venezuela ou em Cuba. Socialismo é isso - atraso e estupidez ideológica de burocratas "iluminados" sufocando a iniciativa individual.

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Assista a um dos clipes do Madame Saatan dirigidos pelo americano P. R. Brown:


28 de fevereiro de 2012

Três questões para o teatro em Belém



O Teatro em Belém necessita ter sempre em vista três (3) questões. Deixo de fora - sem negar a importância - algumas questões estruturais da administração pública como a pouca disponibilidade de espaços de apresentação e a carência de incentivos públicos. Gostaria de sair um pouco do velho "Eles não ligam pra nós" se me permitem. Adiante.

1 - Investimento em publicidade dos espetáculos

Quando digo para um desconhecido que faço Teatro ouço, quase sempre, a mesma pergunta: "Ah, você é do Verde-ver-o-peso?". Nada contra esse clássico do teatro paraense mas isso evidencia o quanto o público desconhece a maior parte dos trabalhos feitos pelos criativos grupos da cidade. O espetáculo do Grupo Experiência está há décadas em cartaz e não há como se comparar nesse quesito. A questão que quero colocar é que muitas vezes falta investimento na divulgação dos espetáculos. As redes sociais abriram uma possibilidade maravilhosa, porém a melhor forma de divulgação - além das matérias em sites e jornais e dos cartazes e folders passados de mão em mão -  ainda é a velha e eficiente propaganda, seja em rádio, TV ou em outdoors. Aí você pergunta com toda razão: "Com que dinheiro?" É aí que está. Eu mesmo já me convenci de que não dá pra fazer teatro em Belém na expectativa de um retorno financeiro sem a ajuda dos recursos de uma mídia ostensiva. Existem casos excepcionais, é claro. Mas as produções, em especial a dos grupos sem uma platéia cativa numerosa, podiam pensar com carinho em um dia investir (ou direcionar, nos casos de espetáculos subsidiados por recursos públicos) na venda do seu trabalho como um produto, possibilitando que a platéia venha a ser composta um dia por mais dos que os parentes e amigos mais próximos. Falando em espetáculos subsidiados, acho um absurdo que muitos dos editais não tenham uma cláusula exigindo que os grupos invistam parte dos recursos destinados para a publicidade dos espetáculos. É preciso comprar - literalmente - a briga pela atenção do espectador em tempos de internet, DVD e TV a cabo. Se pudesse simplesmente optar em ter mais dinheiro para montagem, para pagar atores e técnicos OU para divulgação dos meus espetáculos, eu escolheria sem pestanejar este último. Teatro é para ser visto. 

Investimento em publicidade também é um problema no item 2.

2 - Festivais de Teatro regionais e nacionais

Festivais são eventos caros. É louvável o esforço dos que organizam festivais e mostras de teatro em Belém e no interior, com ou sem recursos públicos (raríssimos!), periodicamente ou não. No entanto, tem falhas em quase todos os festivais que atentam contra os objetivo principal dos próprios festivais que são a formação de platéia e o intercâmbio entre o fazer teatral entre cidades, estados ou países diferentes. A formação de platéia é PREJUDICADA pelo investimento deficiente na publicidade dos festivais. Um festival que se preze tem que ambicionar PARAR uma cidade para que ela o veja passar. O que acontece de fato - como aconteceu no último e único Festival Nacional de Teatro promovido no ex-governo estadual petista - é que praticamente apenas os artistas ficam sabendo dos festivais. Os festivais ficam parecendo mais jogadas políticas para ganhar status com a "classe" do que um compromisso verdadeiro com o público. Este, do centro e da periferia, fica quase que completamente alheio aos acontecimentos, perdendo a oportunidade de comparar a produção local - como no caso do Festival Nacional - e perceber que muito do nosso teatro não deve nada em contraste com a qualidade dos grupos convidados, como por exemplo, os dos grandes centros como SP. Quantas vezes não fiz essa pergunta para pessoas de cantos variados da cidade, da classe A, B ou C, durante esses festivais: "Você sabia que está ocorrendo um Festival de Teatro na cidade?", e a resposta: "Não... Quanto é?", ao que devolvia: "É de graça, pô!" O que evidencia uma triste dinâmica: a "classe" vai aos Festivais e leva os amigos mais próximos. No entanto, a dona Menina lá da Terra Firme que sonha em levar os netinhos ao teatro não sabe até hoje que por aqui existiram festivais. Prova de que o povo quer ir ao teatro foi a passagem dos SESI Bonecos pela cidade arrastando multidões mesmerizadas com um simples: entrada franca. É claro que o SESI investiu milhares e milhares de reais mas também não dá pra formar platéia pensando em avisar só o periquito e o papagaio da vizinha. Os festivais devem ter como missão fazer com que as cidades se apropriem da diversidade de suas produções e, sentindo-se orgulhosos delas, se lembrarem de que pode ser recompensador investir nos grupos locais. Sonho em um dia me surpreender com minha vizinha vendo o quanto eu me esforço na platéia de um festival. Mas ela só vai comparecer se visualizar um outdoor no seu bairro, ouvir no rádio ou ver na TV. Ou se eu avisar ela.

O intercâmbio entre os fazeres teatrais é o assunto do item 3.

3 - Quando vai nascer um crítico teatral nessa cidade?

É fato. Belém precisa urgentemente de críticos teatrais. Não precisa ter qualidade pra começar: que venham os toscos, os pedantes, os ignorantes, os trolladores, os cruéis, os desonestos, etc. A verdade é que eles precisam aparecer e colocar a produção local em debate. É só através do debate que a mesma crítica teatral vai se aperfeiçoar e realmente começar a beneficiar o trabalho dos artistas. É muito louvável a iniciativa do Orlando Simões do site Ponto Zero com o seu foco na semiótica dos textos. Contudo, a produção precisa refletir não só o trato com a dramaturgia, mas também os esforços da direção, a criatividade ou não dos técnicos, a insegurança dos atores, o equívoco das produções, etc. Eu me pergunto porque a Escola de Teatro da UFPA não forma críticos com tanto o que tem de teoria no currículo dos seus cursos. Nunca passou pela cabeça de nenhum egresso desta, ao perceber que apesar dos esforços para se encaixar como ator ou técnico, que poderia também mergulhar em estudos naquela biblioteca para se arriscar a escrever sobre o que vê nos palcos da cidade? Ou será que todo mundo nessa cidade só pensa em brilhar na ribalta? Servir ao teatro apaixonadamente pode comportar muito bem a atividade profissional de um crítico sem medo de pisar em ovos. Os grupos sérios com trabalhos coerentes merecem ser reconhecidos e os claudicantes merecem sim umas bordoadas. É a ausência de diversidade do debate intelectual que nos separa dos grandes centros muito mais do que o destino dos recursos públicos. No último Festival Territórios de Teatro, quando o Teatro do Ofício participou com o espetáculo "Uma Flor para Linda Flora" de Carlos Correia Santos, constatamos, surpresos e decepcionados, que não teria crítica teatral opinando. Foi um balde de água fria. Para mim, ao menos, foi um prazer incompleto, apesar da platéia maravilhosa, fazer um esforço do cão para não ter um só minuto de reflexão sobre o resultado de 2 anos de trabalho. Teve cachê mas saímos mais pobres do que entramos. Sonho em ter meu trabalho esculachado por um crítico em uma Belém que só tem sorrisos e tapinhas nas costas. O público, mais uma vez, perde a oportunidade de comparar o nosso trabalho graças ao provincialismo em se preservar mais o amor da "classe" do que a busca da perfeição. 

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Longe de mim achar que tenho soluções e que sei o que é o certo para o Teatro feito em Belém. Também não tenho nenhuma militância teatral (no sentido reivindicatório da coisa) para me servir de atestado de autoridade. O que tenho é a minha lida com os problemas do palco como ator ou, mais recentemente, como produtor e diretor dos meus trabalhos no Teatro do Ofício.  É bom esclarecer que tudo o que eu opinar aqui também vale para mim. Tenho o ponto de vista do meu fazer teatral com alguns sucessos e um desfile infindável de fracassos maravilhosos que enriqueceram a minha alma e empobreceram os meus descendentes. Evoé.




27 de fevereiro de 2012

O Transformer neodarwinista




- Tive a honra de revisar esse artigo publicado no blog Direita ao ponto. Um didático exercício de lógica do anticamarada Yuri Freire. Vale muito a pena! Divirtam-se!!!

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Por Yuri Freire de Carvalho Espírito Santo

Tentarei explicar de forma simples e didática o que quero provar, no caso, porque é o Darwinismo segundo é aplicado hoje (neodarwinismo), a pior escolha para explicar a origem da vida no Universo. Provarei que o neodarwinismo nessa proposta, não tem nada de científico e é anti-científico, não pode ser levado em consideração. É uma estratégia desonesta e presta um desfavor à ciência.

Vamos utilizar um quadro de conceitos preliminares para o entendimento do texto:

Navalha de Occam 



Criado por Guilherme Occam, monge franciscano Inglês, a navalha de Occam é um dispositivo utilizado nas ciências em geral que visa a correta interpretação da natureza. Serve a todos os campos do pensamento humano. É conhecido como o princípio da parcimônia aonde diz basicamente que não devemos adicionar hipóteses desnecessárias para a interpretação do fenômeno. Com isso, temos ainda que normalmente, pela navalha de Occam dentre 2 possibilidades para explicar um fenômeno devemos escolher entre o mais simples, que no caso, explica um maior leque de coisas.  Como critério de pensamento, está sob o crivo da lógica.

Vamos à um exemplo ilustrativo: Um paciente aparece no seu consultório (você é o  médico), com febre, dor de cabeça e atrás do olho, dores nas articulações, manchas vermelhas pelo corpo, perda de apetite, letargia etc. Você como médico pensa em uma única doença que explique todos os sinais e sintomas. Isso na hora de escolher entre as quais você pensou. Mas ao invés disso, porque você não pensa que ele pode ter várias doenças, cada uma causando um dos sintomas? Por exemplo, ele poderia ter uma adenovirose causando, febre e mal estar, câncer causando perda de apetite até mesmo a febre, lúpus causando dores e manchas, e por aí vai (quem é estudante pode viajar e somar ad infinitum). Por que naturalmente você quer encontrar apenas uma doença que explique tudo do caso? (Lembre-se de como os médicos em House trabalham).

O objetivo aqui não é demonstrar conhecimento médico por isso cada explicação acima é simples. Enfim, qualquer pessoa admitiria que o segundo médico está associando hipóteses demais e isso é desnecessário. E como não poderia ser diferente, a chance de o segundo médico errar (e errou) é muito maior do que o do primeiro (você), que pensou em uma dengue, por exemplo – que pode sozinha explicar todos os sinais e sintomas. Ora, temos então que embora não seja impossível o paciente ter mais de uma doença associada (e não é incomum, diga-se de passagem), antes de eu adicionar um terceiro elemento no caso, devo percorrer toda a literatura médica que tente explicar todos os fenômenos (ou pelo menos a maioria) com uma única doença, só depois, não sendo possível explicar o caso por uma única patologia, devo pensar na soma de mais de uma doença. Caso contrário estarei ferindo a navalha de Occam, e adicionando hipóteses diagnósticas em excesso. Essas hipóteses em excesso aumentam sobremaneira minhas chances de errar o diagnóstico – é mais provável que ele tenha apenas dengue e não toda a parafernalha somada. Perceba como intrinsecamente todos os médicos utilizam a navalha de forma inconsciente muitas vezes. Mesmo não conhecendo-a ela é muito necessária.

O segundo conceito que temos que compreender é:

Relógio de Paley 


O relógio de Paley é uma historinha. Imagine você no mais absoluto deserto. Nem sinal de civilização em pelo meno milhares de quilômetros em volta. Solitário você caminhando nesse deserto, de repente encontra um relógio de ponteiro, de bolso, lindo, personalizado. Você pensa:

a)      Algum ser humano esteve ali e perdeu o relógio. Ora, então o relógio foi feito por mãos humanas e foi perdido ali.
b)      A natureza pelas suas próprias forças criou o relógio por acaso, e você no maior golpe de sorte, encontrou o único relato de objeto com função para os homens na história dessa mesma natureza.

Por mais sonhador que seja, você escolherá a letra “a”, ainda que não considere a letra “b” impossível. Isso porque ao que lhe consta, ainda não se tem relatos de um fenômeno semelhante feito pela natureza ao acaso. Mesmo que você não considere a segunda possibilidade impossível, a primeira já lhe parece suficiente para explicar o fenômeno, e para aquele momento, aquilo é uma verdade e te permite “não tatear no escuro”. Te permite pensar, por exemplo, que pode haver organização humana num raio próximo e que você poderia conseguir água lá. E assim vai.

Perceba que pensar a primeira hipótese, é também utilizar a navalha de Occam, porque entre duas possibilidades, você escolheu a mais simples e harmoniosa e que parece ser suficiente para explicar o fenômeno naquele momento e mais ainda, permite projetar coisas. A primeira hipótese se considerada verdadeira, não lhe permite mais nada além de admitir a veracidade da mesma. Trocando em miúdos, escolher a hipótese mais improvável, não permite a ciência caminhar, não te permite avançar nas buscas. A primeira sim, permite, como já demonstrado.

Mas falando do Relógio de Paley em si, essa parábola, tem como princípio tentar explicar que dada uma observação de um fato, se queremos entender a explicação dele, devemos buscar a ordem anterior que propiciou ele. No caso, se eu quero explicar o relógio no deserto, eu devo tentar entender a ordem anterior ao relógio ali, ou seja, que alguém construiu um relógio com uma finalidade e esse relógio foi trazido por uma pessoa com outra finalidade e por ai vai. Se quero explicar o relógio, devo entender como ele funciona, e para isso devo entender a ordem do arquiteto do relógio. Por isso o Relógio é válido. Aliás o correto seria chamar “Relojoeiro de Paley”, porque trata muito mais da ordem que da sentido as coisas, do que como o relógio foi parar ali, embora seja assim a metáfora.

Ao contrário do que muitos pensam, o Relógio de Paley não está preocupado em dizer que a ordem não pode jamais surgir da desordem. Se ela fizesse isso estaria indo contra a matemática das probabilidades e a física da termodinâmica e deveria ser rasgado. Sim, é possível surgir ordem no caos, mas não a ordem que vemos nos sistemas vivos. Mas isso não é função do Relógio e sim da reta lógica mesmo. Demonstrarei mais adiante.

O terceiro conceito é o próprio Darwinismo:

Darwinismo


Darwinismo simplificando, nada mais é que a corrente filosófica na ciência que busca explicar a origem das novas espécies na natureza, através da idéia de evolução e seleção natural.  Esse processo faz parte do que chamamos, especiação.

Ao contrário do que muitos acham, Darwin não criou a idéia de evolução. Ele apenas tentou explicar o modo como os seres evoluem, mais ainda, como eles evoluem a ponto de gerar novas espécies. Ou seja, outro erro que atribuem a Darwin é a idéia de que ele acabou de vez com a hipótese da criação. Darwin não explicou como a vida surgiu na Terra, ele apenas explicou como pressões seletivas do ambiente são capazes de impor condições aos seres de modo que eles se distanciem dos outros da comunidade e sejam capazes de gerar uma nova espécie. Ou seja, ele não explica a origem da vida e sim de novas espécies. Tanto sim, que o seu livro é “A origem das espécies” e não “A origem da Vida”. Darwin tinha claro aquele velho dogma (sim dogma) da biologia: Um ser vivo surge de um outro ser vivo pré-existente. Em suma, ele estava falando de como seres vivos (já vivos, óbvio) eram capazes de se diferenciar entre si e assim formar novas espécies e não como a vida surgiu. Darwin era evolucionista, mas não criou o evolucionismo.

Darwin então consolidou que essas pressões seletivas na natureza “escolhia” as características vantajosas nos seres vivos, ou, que os seres que possuíssem características que se adequavam as pressões seletivas, esses sobreviveriam e poderiam passar adiante seus caracteres. Para ilustrar imagine um ambiente com bastante gramíneas e bastante árvores. Nesse ambiente vivem girafas de pescoço pequeno e girafas de pescoço longo, e que as de pescocinho só alcançam as gramas e as de pescoço longo só as árvores. De repente, por um acontecimento na natureza (pressão seletiva) a grama fica escassa e já não é suficiente para todas as girafinhas de pescocinho. Elas fatalmente morrem. Só sobra as de pescoção. Isso porque diante da pressão do ambiente (escassez de grama) a característica pescoção, que permitiu comer folha na árvore, foi capaz de manter as “girafonas” vivas. Se por um acaso o fenômeno fosse outro, o final poderia também ser outro. E sobrevivendo as “girafonas” poderiam se reproduzir sem se extinguir. Isso é apenas uma faceta do Darwinismo, existe ainda outros fenômenos, como isolamento geográfico, reprodutivo e etc. Mas não cabe aqui na simples explicação. Simplesmente devemos compreender que as pressões ambientais podem ser tais que isolam tanto alguns indivíduos, que eles não podem mais cruzar com os da comunidade original e já não partilham mais de características típicas, nesse momento surgirá uma nova espécie.

Então Darwin explica, além de como seres mudam e viram novas espécies, como também elas podem ser extintas. Só isso. Qualquer outra coisa atribuída é invencionice. Perceba que em si mesmo, o darwinismo não pode atribuir as mutações ao acaso, visto que as características que irão sobreviver e existir são sugestionadas, todas, pelo ambiente. O ambiente que irá escolher qual característica é vantajosa e não o acaso (os fenômenos da natureza não acontecem por acaso). É a mudança no ambiente que determina quem vive e quem morre. É por esse motivo que vemos peixes com nadadeiras e não com asas ou penas. As mutações atribuídas ao acaso são outras e aparecem depois de Darwin, observando outros fenômenos. Esse último é o Neo-Darwinismo. Foi depois de Darwin que os cientistas perceberam que a “seta” que vai, também volta. Os cientistas perceberam que em dada comunidade, os seres podem sofrer mutações que, num ambiente estável, que não mudou (pelo menos não tanto), mutações podem conferir características vantajosas.

Para ilustrar o último caso, vamos para outro exemplo: imagine as mesmas girafas de antes, elas vivem bem no ambiente, e ele não mudou, manteve-se sempre o mesmo. É possível que em dado momento a “girafona” sofra mutações ao longo dos anos e que ela pode agora além de comer folhas das árvores altas, pode também comer as gramas. Mesmo no ambiente estável, você terá que admitir que a mutação favoreceu a “girafona”, porque agora ela exibe uma característica vantajosa até mesmo para o ambiente estável. Caso o ambiente mude, ela terá mais chances de sobreviver. Em um ambiente estável, dificilmente uma mutação é extrema, o fato que temos observado é que em ambientes estáveis as mutações drásticas são deletérias e matam os seres vivos. As mutações são insidiosas e em vários planos. O que seleciona caracteres extremos geralmente, são mudanças no ambiente, porque aí não tem jeito, apenas algumas características conferem vantagens, ou uma ou outra. Na água o que confere vantagem são nadadeiras e não asas. Em ambiente estável, pequenas mudanças são permitidas sem extinguir seres, e com o tempo geram novas espécies. Isso é fato (não se questiona). E é por esses fatos que a ciência busca entre as espécies, os seus intermediários. É por isso que a ciência busca características intermediárias entre tigres-dentes-de-sabre e os atuais tigres sem que isso seja absurdo. E é por esses mesmos motivos que você não verá uma girafa virar um pássaro de repente, nem répteis virarem aves de repente. As mutações têm limite dentro de um genoma. O genoma da girafa não permite que ocorram mutações que façam aparecer asas nela, por exemplo, muito menos, asas funcionais. Esse é o fato que temos. Esse é tema para outro artigo. Aqui quero apenas mostrar as bases.

O neodarwinismo ainda se ocupou de explicar os fenômenos envolvidos no modo como essas características foram transmitidas por gerações. Mas isso o Darwin não fez, ele apenas afirmou que esses caracteres eram transmitidos. Como eram transmitidos, foi Mendel que se ocupou de explicar (mas isso é para outro artigo). Enfim, com o passar dos anos, consolidando os conceitos de Darwin e Mendel, foi que os neodarwinistas criaram a moderna hipótese da origem dos seres vivos. Neodarwinismo é então a corrente filosófica na ciência que afirma que a vida surgiu na Terra pelas mudanças ambientais e exclusivamente pelo acaso, tomando como base as idéias desses dois cientistas. Veja a diferença dessa corrente para o Darwinismo, em comum apenas ter Darwin no meio.

Então que fique claro: Darwin não explica como surge a vida (não elimina a hipótese de Deus), Darwin não explica como répteis viram aves, e por fim Darwin entendia a mutação ao acaso. Isso só veio depois. Ele lançou bases para isso somente.  Pensar o contrário de tudo que afirmei aqui sobre o Darwinismo seria como escolher a letra “b” na historinha de Paley. Por mais que você considere possível, seria remotamente possível e não se repetiria tão cedo, quem sabe nunca mais.



Ora, consolide os três conceitos: Darwinismo, Relógio de Paley e Navalha de Occam. Com eles ficará fácil compreender alguns problemas graves na atual hipótese da origem da vida dada pelos neodarwinistas.

O ser vivo autônomo mais simples que temos são as bactérias. Ou seja, dentre a infinidade de seres que temos, os menos complexos são as bactérias. Mesmo assim ouso a afirmar que elas são mais complexas que qualquer mecanismo de um relógio ou mesmo das melhores máquinas inventadas hoje. Se você observar como funciona o flagelo das bactérias, verá que espetáculo da engenharia é ele. Tem rotor, chave reguladora, junção, gancho, estator etc. Ou seja, tudo que máquinas mecânicas tem. É aparato pra engenheiro nenhum botar defeito. A única diferença entre esses flagelos e braços mecânicos ou bombas mecânicas, é apenas o esqueleto sobre o qual estão armados. Enquanto o esqueleto das máquinas é de metal, os flagelos possuem esqueleto de carbono. Só muda o grupo na tabela peridódica. Por incrível que pareça. Uma busca simples na internet sobre o funcionamento dos dois, prova fácil o que digo.

Sem titubear, posso comparar a fascinação de ver um robô com a fascinação de ver uma bactéria funcionando. Ambos são intrigantes. Pessoalmente me intriga mais o primeiro. Mas nessa fascinação, observar ambos significa achar os dois interessantes ao ponto de entender a sua ordem. E nesse ponto, preciso da navalha e do relógio para me darem uma boa interpretação dos fatos no robô e na bactéria.

Agora imagine que você fez uma viagem a uma das muitas Luas do sistema solar, que não a nossa, essa já alcançamos. Chegando lá, você se depara com um complexo sistema de robôs trabalhando em conjunto e dando origem a novos robôs e assim sucessivamente. Algo como em Transformers. Observando isso você pensa:

a)      Foi criado por seres inteligentes não humanos, não são vivos, mas sabem como se construírem porque possuem programação para isso.
b)      As condições ambientais dessa lua permitiram, com o tempo, que os metais se organizassem ao acaso, de modo que permitiu essa complexidade, e por isso são uma forma de vida feita à base de outro esqueleto que não o carbono, no caso de metais.

Vamos começar pela segunda opção. Ora se eu considero que no meu planeta Terra, estruturas infinitamente superiores às dos robôs foram possíveis ao acaso, é muito possível que a vida surja através de outros elementos em outros lugares do universo, e que podem alcançar a complexidade. Essa hipótese é muito buscada hoje quando se questiona se há vida fora da Terra. Muitos cientistas consideraram errado buscar vida através de pistas que temo aqui no planeta, como água e carbono etc. Muitos cientistas disseram que estaríamos utilizando nosso critério de vida e que talvez fosse possível fazer vida com outros elementos. Sendo assim os robôs nessa lua poderiam muito bem serem vivos sob outro esqueleto.

Escolhendo-se esse critério para a Terra, não posso considerar absurdo considerar para outros planetas. Quer dizer, se vejo uma estrutura extremamente complexa em um ambiente e considero que ela surgiu do nada, ao acaso, não será nenhum absurdo acreditar na letra “b”. Aliás, é isso que temos feito. Em termos se quero estar coerente com a ciência atual da Terra DEVO escolher a letra “b” no caso.

Agora se você escolher a letra “a”, aí você tem algo mais simples e mais harmonioso. E com certeza foi o que você pensou em escolher primeiro. Você pensou: “ora, ao que me consta é muito mais provável que alguém tenha construído esses robôs. Afinal é o que é mais provável. Agora posso estudar a ordem do robô e quem sabe não descubra como ele foi parar ali e através de quem”. Quando você escolheu a letra “a”, agiu com a navalha de Occam, pois considera que a letra “b” é por demais complexa e cheias de excesso, considera que a letra “b” para existir deve haver uma infinidade de condições somadas (como na historinha da doença) para isso acontecer. E por isso você antes de considerar a segunda hipótese, você antes tem que esgotar a primeira que explica por si só muito bem o fenômeno. Você também agiu segundo o relógio de Paley pois antes de querer saber como foi parar ali o robô, você quer entender como funciona o robô. Você não considera impossível a letra “B” mas sabe que é altamente improvável e mais ainda que ela pouco te ajuda e tem grandes chances de errar.
Se você escolheu a primeira opção, meus parabéns, você agiu dentro do escopo da ciência e portanto da reta lógica. E sabendo que a primeira opção provavelmente lhe dará ocupação para o resto da vida, você deixa a questão acerca de quem criou os robôs para outra esfera. Saber que ele foi criado por uma mente inteligente já lhe basta. E isso não atrasa sua ciência pelo contrário te lança em outras questões.

A letra A seria a ciência séria, em relação à criação. Deveríamos observar a vida e nos satisfazer com a idéia que algo inteligente a criou, afinal, por hora essa explicação já é mais que suficiente. E agora, você se ocupará em buscar a ordem da criação e quem sabe nessa busca, descobrir o criador. Essa seria a idéia prudente, não o contrário.

Veja o tamanho do problema em que se meteram os neodarwinistas: para não correr o risco de avacalhar com as próprias idéias, são obrigados a considerar real e melhor, algo até mesmo absurdo, como a criação espontânea e randômica de robôs em planetas exóticos. Seria como ver alguém pular de um trampolim e da mesma forma que entrou na água, voltar ao trampolim e ter que considerar isso como a hipótese mais provável. Seria considerar absurdo que depois de pular ele deverá permanecer na água, e só poderá alcançar o trampolim de volta pelas escadas. Que enrascada!

Observem que o neodarwinismo, descaradamente tenta te convencer do contrário, ele tenta te dizer que toda essa complexidade que temos na Terra hoje, não foi obra de algo inteligente, mas sim de algo totalmente anárquico. E faz isso sem provar nada, sem explicar nada. Como você viu existe um hiato enorme entre como saímos do Darwinismo para a aberração que temos hoje. Mostrei as propostas do darwinismo, com isso você pode voltar e ver que o que temos hoje em nada se assemelha ao primeiro. Verá que não passou de uma jogada. Utilizaram os créditos e a confiança da ciência para passar por debaixo dos panos essa quimera aí. Como você não vê mal nas hipóteses evolutivas e nem em Darwin, por que desconfiaria do Neodarwinismo? Foi assim que perceberam que poderiam com a simples jogada de palavras e conceitos, criar um conflito que nunca existiu, fé x ciência.

O neodarwinismo é puro fanatismo, não é ciência. E se me permite dizer, antes que você venha atirar pedras, mostrei a falácia dessa escola filosófica e pseudo-científica, sem precisar em momento algum falar de religião e fé. Mostrei com aquilo que todos adotaram (infelizmente) como único critério: a ciência.